Quarta-feira, 7 de Novembro de 2007

A Partilha do Bolo

 

A guerra do petróleo

François Lafargue* 

Publicado em:

http://www.enjeux-internationaux.org/articles/num15/pt/guerra_petroleo.htm     

  

 

    A China e a Índia são amplamente responsáveis pela explosão do preço do petróleo. O seu crescimento económico fulgurante aumenta consideravelmente o seu consumo de hidrocarbonetos. Estes dois países estão em todas as frentes das novas guerras do ouro negro.


Análise
 
Estes três últimos anos foram cenário de um aumento regular do preço das matérias-primas e particularmente dos hidrocarbonetos. O barril de Brent aumentou 40% entre Setembro de 2004 e Setembro de 2006, para se estabilizar em 65 dólares americanos. As tensões sobre os preços derivam de vários factores, como a situação caótica no Médio Oriente, a instabilidade política na Venezuela e na Nigéria, investimentos insuficientes em capacidades de refinação ou ainda antecipações especulativas. Mas esta crise do petróleo perniciosa explica-se sobretudo pelo desenvolvimento económico da China e da Índia, responsáveis por mais de um terço do aumento do consumo mundial desde 2000. Hoje, tanto a China como a Índia, que são, respectivamente, 2.º e 6.º consumidores mundiais de petróleo, encontram-se numa situação preocupante, visto a sua dependência das importações não cessar de se agravar. A China importa petróleo desde 1993 e a parte das compras no estrangeiro, em relação ao seu consumo total, passou de 30%, em 2000, para 50%, actualmente. A situação da Índia é igualmente preocupante. Sendo este país ainda muito pobre (o parque automóvel representa apenas um terço do da China), 70% de petróleo aí consumido provém do estrangeiro. Nos importadores mundiais de petróleo, a China ocupa o 3.º lugar após os Estados Unidos e o Japão, e a Índia já se classifica em 9.º lugar. Esta sede de ouro negro, assim como a guerra no Iraque e a instabilidade na Arábia Saudita, incitaram Pequim e Nova Deli a enveredarem numa estratégia de diversificação do seu abastecimento de petróleo para a Ásia Central, a África e a América Latina.
 
Objectivo da Ásia Central
 
Desde o início da década 90, os recursos de hidrocarbonetos das repúblicas da Ásia Central da antiga União Soviética suscitaram a avidez das grandes potências. A China estabeleceu relações mais estreitas com o Cazaquistão. Em menos de dez anos, as sociedades petrolíferas chinesas conseguiram resultados significativos. Em Junho de 1997, a China National Petroleum Company (CNPC1) obteve direitos de exploração de vários jazigos de petróleo em Aktyubinsk (no Noroeste do Cazaquistão). Mais recentemente, em Dezembro de 2005, entrou em serviço o último troço de um imenso oleoduto de mais de 3 000 quilómetros, que transporta o petróleo do mar Cáspio de Atyrau para Alashankou, na província do Xinjiang.
Com a Rússia, as relações petroleiras passaram por numerosas vicissitudes. A priori, a proximidade geográfica da Rússia - segundo exportador mundial de petróleo - e da China deveria permitir-lhes um bom entendimento. Mas Moscovo não dissimula o seu receio de formar uma parceria na área do petróleo com o seu imenso vizinho, pelo que os contratos assinados aquando da visita de Vladimir Poutine a Pequim, em Março de 2006, ficam muito aquém das expectativas dos Chineses. A Rússia teme, a prazo, a força da China e vê no Japão um cliente mais fiável. Estas considerações explicam as múltiplas reviravoltas de Moscovo no projecto de construção de um oleoduto de 2 400 quilómetros, ligando Angarsk (Sibéria) a Daqing, na China. A presença da Índia nesta região da Ásia Central continua a ser limitada. A situação conflituosa com o Paquistão impõe alguma prudência por parte de Nova Deli em termos de cooperação com países muçulmanos, que são aliados naturais de Islamabad. Os projectos de transporte de hidrocarbonetos do Turquemenistão para a Índia continuam dependentes da melhoria da situação política do Afeganistão, que é uma passagem obrigatória.
 
A aposta africana
 
Pequim e Nova Deli resolveram voltar-se progressivamente para a África e a América Latina. O continente negro, que possui 9,4% das reservas mundiais de petróleo, ou seja um potencial comparável ao do Iraque, assegura hoje 11,4% da produção de petróleo2. Tanto a China como a Índia começaram a investir no petróleo no final da década 90 nos países á margem da comunidade internacional, como o Sudão, a Líbia e Angola. No Sudão, a CNPC associou-se à sociedade indiana ONGC (Oil and Natural Gas Corporation) no âmbito de um consórcio, a Greater Nile Petroleum Operating Company (GNOPC), a fim de valorizar os jazigos de hidrocarbonetos de El Muglad, no Sul do país. Estes investimentos permitiram ao Sudão duplicar a sua produção desde há cinco anos.
A segunda iniciativa das sociedades chinesa e indiana consiste em efectuar investigações geológicas em zonas menos cobiçadas. Mesmo se por enquanto os resultados são parcos, tanto Pequim como Nova Deli não negligenciam nenhum fornecedor potencial. Foi assim que a SINOPEC se lançou em prospecções no Níger, na Mauritânia e igualmente no Mali, países onde alguns jazigos identificados, mas não explorados, começam a ser rentáveis com a apreciação dos preços do petróleo. Por seu lado, a Índia multiplica as prospecções, nomeadamente nos países da África Oriental e Central, com a qual mantém estreitas relações económicas graças à presença de fortes minorias indianas. Em Março de 2006, a ONGC obteve o direito de efectuar investigações geológicas na zona económica exclusiva da ilha Maurícia. Mais recentemente, as sociedades indianas investiram na Costa de Marfim, no Gabão, na Guiné-Bissau e no Gana. O continente negro (essencialmente Angola e Sudão) fornece hoje 30% das importações de petróleo à China e 20% à Índia.
 
A aliança com Hugo Chavez
 
Com 9,7% das reservas mundiais de petróleo, a América Latina é igualmente um objectivo cobiçado por Pequim e Nova Deli. Por enquanto, a presença da China no sector dos hidrocarbonetos continua a ser limitada. A China é, sem dúvida, o terceiro comprador de petróleo da América Latina, mas fica ainda muito aquém dos Estados Unidos3. Pequim mantém estreitas relações com a Venezuela, um país petrolífero de primeiro plano, que dispõe de 6,6% das reservas mundiais de petróleo (6.º lugar).
Em Dezembro de 2004 e depois em Agosto de 2006, o Presidente Chavez, em visita oficial a Pequim, celebrou com Hu Jintao vários acordos de cooperação económica e comercial. O volume das exportações de petróleo da Venezuela para a China continua a aumentar. No segundo semestre de 2006, Caracas forneceu a Pequim perto de 5% das suas necessidades de importação de petróleo Mesmo se a Venezuela ocupa um lugar de destaque na estratégia petrolífera da China, esta última não negligencia produtores mais modestos, como o Equador e o Peru. A presença da Índia na América Latina é ainda limitada, mesmo se os fluxos comerciais estão em nítida progressão. A ONGC concentrou os seus esforços essencialmente na Venezuela e em Cuba. A visita do Presidente Hugo Chavez a Nova Deli, em Março de 2005, permitiu a assinatura de vários contratos. Em Cuba, em Setembro de 2005, a ONGC associou-se à sociedade espanhola, Repsol YPF, e à norueguesa, Norsk Hydro of Norway, para a exploração de jazigos off shore.
 
Petróleo contra apoio diplomático
 
Tanto a China como a Índia aplicam uma verdadeira estratégia petroleira. Em África, em troca de contratos petroleiros a longo prazo, Pequim propõe construir infra-estruturas rodoviárias, ferroviárias ou hidráulicas a custos preferenciais. Em Angola, a China irá construir vários milhares de alojamentos em Luanda e renovar a linha férrea CFB (Caminho-de-Ferro de Benguela), que liga Benguela e Luau, na fronteira da República Democrática do Congo.
Pequim pode igualmente oferecer aos seus fornecedores de hidrocarbonetos um precioso apoio diplomático. As relações entre a China e o Sudão são uma boa ilustração disso. Nestes dois últimos anos, Pequim ameaçou várias vezes utilizar o seu direito de veto no Conselho de Segurança da ONU para se opor à adopção de sanções políticas e “petroleiras” contra o Sudão, a propósito do conflito no Darfour. Estas ameaças obrigaram o Conselho de Segurança a edulcorar os textos das resoluções propostas. Numerosas capitais africanas vêem na China um protector menos exigente do que o Ocidente, porque Pequim tem o cuidado de não pôr em causa a natureza dos seus regimes políticos.
Por seu lado, a Índia, que não dispõe de meios financeiros e diplomáticos comparáveis aos da China, propõe-se promover uma verdadeira parceria com os países africanos e latino-americanos. Nova Deli incentiva a transferência de tecnologias, enquanto que a China, é o mais das vezes, vista como um depredador, apenas interessado na extracção das matérias-primas. As empresas farmacêuticas indianas, como a Ranbaxy, são os primeiros fornecedores de moléculas genéricas à África, um mercado que foi abandonado pelos laboratórios ocidentais por ser pouco rentável. O grupo Tata, esse tem sucursais em toda a região, das quais uma fábrica de montagem de veículos na Zâmbia.
Esta conquista da energia tem igualmente implicações militares e diplomáticas. Com Angola, Venezuela ou Cuba, ou seja os seus principais fornecedores de hidrocarbonetos, Pequim tem igualmente relações militares (que se traduzem no fornecimento de material) e que, provavelmente irão em crescendo nos próximos anos. A China apoia a candidatura de Hugo Chavez como membro não permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas. A influência da China na América Latina é doravante denunciada como uma verdadeira ameaça para Washington4. A presença da China contrabalança a influência dos Estados Unidos e favorece as veleidades de emancipação e de desafio em relação a Washington, como foi o caso da Cimeira de Mar del Plata, em Novembro de 2005, na Argentina, onde o projecto de zona de comércio livre das Américas, proposto por George Bush, foi pura e simplesmente rejeitado. Esta rivalidade na área do petróleo conforta igualmente os regimes autocráticos, como o de Idriss Déby no Chade, que, ao estabelecer relações diplomáticas com a RPC, em Agosto passado, conseguiu beneficiar de uma lufada de oxigénio necessária. Os Estados Unidos, também preocupados em reduzir a sua dependência do Médio Oriente, começam a inquietar-se com a diplomacia petroleira de Pequim e Nova Deli. Segundo o relatório Cheney 5, Washington deseja fazer passar a parte das importações do golfo da Guiné de 15% para 25% até 2015. É provável que esta ambição nunca se realize.
A África, a América Latina e a Ásia Central são um verdadeiro campo de batalha de influências entre os Estados Unidos, a Índia e a China, que serão provavelmente as três principais potências económicas em meados do século XXI. Esta competição energética tem repercussões importantes. Longe favorecer o desenvolvimento, a economia petroleira alimenta, efectivamente e o mais das vezes, a corrupção, reaviva contenciosos transfronteiriços nas zonas petrolíferas e agrava a dependência em relação às matérias-primas6. Pouco interessada em participar neste confronto, a União Europeia prefere empreender uma parceria energética com a Rússia que já lhe fornece um terço das suas importações de petróleo.

Nota
Brent é o nome do jazigo de petróleo descoberto em 1971 no mar do Norte e serve de crude de referência a nível mundial. O seu preço determina o preço de 60% dos petróleos extraídos no mundo.
________________________

François Lafargue é doutorado em Geopolítica e em Ciências Políticas. É professor de Geopolítica na Escola Superior de Gestão e professor na Escola Central de Paris. Acaba de publicar, “Demain, la Guerre du feu, Etats-Unis et Chine, à la conquête de l’énergie” - (Amanhã, a guerra do fogo, os Estados Unidos e a China na conquista da energia), Ellipses, 2006.

 
publicado por jdc às 14:29
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